"Eu trago um recado de nossos ancestrais, cantigas que já não se ouvem mais" - Carlinhos Piauí.
“A nostalgia e o saudosismo são o ponto de partida para o surgimento da
poesia em minha mente e em meu coração”, Carlinhos Piauí
A voz, o carisma e a sensibilidade poética tornaram Carlos Augusto da
Silva mais do que um artista completo, fizeram dele alguém respeitado e
admirado. Carlinhos Piauí era nordestino, nasceu em Teresina, no
estado do Piauí, em 1963, mas escolheu o Gama para fincar as raízes. Ele
chegou à cidade aos 11 anos e aqui conquistou fãs, fez amigos,
constituiu família e trilhou a trajetória. Até mesmo o nome artístico
adotado por Carlinhos é resultado da infância vivida na cidade: as
crianças o apelidaram de Carlinhos Piauí e esse nome ele carregou
durante toda a vida.
Além de ser cantor e compositor, Carlinhos Piauí também se destacou
como ativista cultural na cidade. Desenvolveu algum tempo a função de
produtor cultural na Associação de Assistência aos Trabalhadores em
Educação do Distrito federal (ASEF) e por dois anos esteve à frente da
Diretoria Social da Administração Regional do Gama. Cargo que ocupava
quando descobriu o câncer nos rins, em dezembro de 2012. Dois meses
depois, em fevereiro, Carlinhos foi hospitalizado e morreu no dia 4 de
março, a doença havia se espalhado por todo o corpo, em uma fase chamada
metástase.
A música encontrou Carlinhos em 1976, quando ele estava com 13 anos.
No início, os encontros com o violão aconteciam às escondidas. Isso por
que o instrumento pertencia ao irmão. Por ser canhoto, precisava tocar
ao contrário, o que não foi nenhum empecilho, logo ele adquiriu domínio
sob as cordas.
FMPG
Foi no final dos anos 70, que Piauí participou do primeiro festival o
1º Festival de Música Popular do Gama, realizado em 1979. Na edição
seguinte do FMPG, ganhou o prêmio junto ao grupo Sertão. A participação
em festivais continuou e o nome do músico e compositor se solidificou no
cenário cultural do Distrito Federal e de estados da região
Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste. Para o poeta e compositor Paulo
Avelino, 50, amigo de Piauí desde 1995, o sucesso se deve ao trabalho
original desenvolvido pelo artista. Carlinhos Piauí carregava na
essência a cultura popular e nordestina. “Quando eu conheci o Carlinhos,
já era um nome forte na música de Brasília. Ele representava o nordeste
muito bem”.
Avelino, chamado simplesmente de Poeta por Piauí, conta que o cantor
levava para os palcos artistas como Luiz Gonzaga, Alceu Valença e
Ivanildo Vila Nova e também incluía no repertório compositores da região
desconhecidos. “Imagina, ele tocava Jackson do Pandeiro, e tocava Paulo
Avelino, Luthemberg Peixoto. Então é interessante isso, você pega um
cara que vai lá nas raízes e que também tocava música nossa”. A música
“Baião Sonhado”, que está no primeiro CD intitulado “Conterrâneos”
(1999), é uma parceria entre Piauí, Avelino, Zé Miguel e o poeta Pezão.
“A música que Carlinhos gravou abriu muitas portas para mim. Eu era
conhecido mais como poeta. Já como compositor, me tornei conhecido
depois que ele gravou essa canção”.
Difundir e valorizar o trabalho dos artistas populares se tornou uma
marca registrada de Piauí. “Ele sempre foi muito fiel ao estilo, às
raízes. É nordestino, desenvolvia um trabalho alternativo e não
flexionava esse gênero de forma alguma. Era aquilo ali e era aquilo
mesmo”, observa o cantor e compositor Jairo Mendonça, 42. Mendonça
chegou ao Gama na década de 90 e conheceu Piauí no movimento cultural da
cidade. “Ele foi um artista extremamente original. Era um bom
compositor e um excelente interprete. Tinha uma voz forte e muito
marcante”, ele acrescenta que Carlinhos Piauí é uma das referências
musicais que tem. “Ele é referência não só para mim, mas para muitos
outros músicos mais jovens, que seguiram nessa trilha”.
FAMÍLIA
Se nas ruas Carlinhos Piauí inspirava e motivava os amigos e o público, no ambiente familiar
não era diferente. Por influência do pai, a filha mais nova Rebeca
Braga, 19, aprendeu a tocar violão. A “Passarinha”, apelido pelo qual
Piauí carinhosamente chamava a filha, conta que ela e os irmãos sempre acompanharam
a vida artística do pai. “Ele é meu ídolo! Ele sempre levava a gente
nos shows que fazia, cresci o ouvindo cantar”. Mateus Braga, 21, lembra
que o pai sempre costumava tocar e cantar em casa. “Quase todos os dias,
a gente chegava em casa e ele ficava cantando para a gente”. Assim como
Rebeca, Mateus e Tiago Ramos,30, também carregam nas veias o dom
artístico. Mateus é dançarino de break e toca bateria na igreja em algumas ocasiões, já Tiago toca cavaquinho, ocasionalmente.
DISCOGRAFIA
Carlinhos Piauí gravou 5 cds: Conterrâneos (199), Estradas e
Terreiros (2002), Correndo (2005), Sertão de Cabo a Rabo (2009) e Sertão
de Cabo a Rabo 2º ato (2011), que teve participação da filha Rebeca
Braga, na música “ Menino e o mar”. Os dois últimos foram gravados com
um grupo de forró e com o poeta Ruiter Lima, 65. Lima conta os álbuns
surgiram de forma espontânea. Em 2003, se encontraram por acaso e
fizeram uma apresentação de poesia e música de forma improvisada, mas
que agradou ao público. Após esse show, foram convidados para tocar em
outros locais. “Eu falei, Piauí é o seguinte a gente está naturalmente
com uma apresentação pronta de poesia matuta e música de raiz. Começamos
então a trabalhar”. O espetáculo passou por 63 escolas e por algumas
cidades como Palmas-TO e Formoso – MG. Com o projeto pronto, decidiram
fazer a gravação dos álbuns.
A parceria entre Ruiter Lima e Carlinhos Piauí deu certo. Os dois
planejavam realizar um novo trabalho juntos, dessa vez seria a montagem
teatral do espetáculo Sertão de Cabo a Rabo, que contaria com a
participação de dois atores. Eles participaram do edital de seleção do
Fundo de Apoio à Cultura e foram selecionados. “Eu não pude dar essa
notícia para o Piauí, quando o resultado saiu ele já tinha falecido.
Agora eu vou ter que realizar o espetáculo e eu estou pensando como vou
fazer, porque substituir o Piauí não vai ser mole”, revelou Lima. Piauí
trabalhava também na produção de um CD, ele chegou a gravar todas as
faixas, mas sem a parte instrumental. O álbum é composto por canções de
forró de outros artistas.
Amigos de Piauí colhem assinaturas para dar o nome de Piauí a uma
área da Feira Permanente frequentada por artistas da cidade. A intenção é
criar o “Espaço Cultural Carlinhos Piauí”.
POR TRÁS DOS PALCOS….
Piauí encantava o público enquanto interpretava e cativava as
pessoas com o bom humor e simpatia. “Ele era muito amigo de todo mundo.
Carlinhos tratava todo mundo muito bem”, relata Paulo Avelino e, conta
entre risos, que guarda muitas recordações e histórias de Piauí, e
ressalta que algumas podem ser reveladas outras não.
Para o gerente de cultura da Administração Regional do Gama Manoel
Messias, amigo e colega de trabalho de Piauí, a principal característica
do diretor Social no trabalho e no dia a dia era a calma e a capacidade
de diálogo, além de ser alguém muito engraçado ressalta. “Ele era o elo
apaziguador entre Manoel e os artistas. Manoel estourado e ele fazia a
mediação. Ele fazia isso muito bem, pois era mais calmo que eu e com uma
sensibilidade cultural muito maior também”.
Jairo Mendonça além de ter tido Piauí como referência também se
tornou amigo do cantor e guarda de Carlinhos Piauí a alegria. “De tudo
ele fazia uma piada. Às vezes ele era engraçado até quando não queria
ser. Era uma figura muito leve, muito amigo, muito tranquilo e muito na
dele”.
Mesmo enquanto esteve doente Piauí manteve o bom humor e o pensamento
positivo. O filho Mateus Braga revela que o pai estava internado e
sempre fazia uma piada para as visitas. “Esse é uma das características
dele que eu me espelho. Apesar de tanta coisa, ele estava sempre
animado, aonde chegava fazia o povo rir, até mesmo no hospital ele fazia
gracinha”.
Mais do que um pai, Carlinhos Piauí foi um companheiro. É o que diz o
filho mais velho Tiago Ramos. “Ele sempre foi o meu amigo, o meu
confidente. A gente conversava muito e sobre tudo!”.
"Uma perca irreparável.....
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