Foi uma parteira quem trouxe Eugênio Avelino ao mundo.O compositor e cantor Xangai nasceu ao som do Córrego do Jundiá, que corria ali pelas bandas da fazenda onde a família morava, no interior da Bahia. Lá, já não mana mais água. Mas ele ainda teve tempo de correr descalço pela margem do córrego ou se banhar nas águas do Rio Jequitinhonha, que também irriga a região.
Mas foi em Vitória da
Conquista onde Xangai esbarrou com o destino que marcou toda a sua vida.
Aos 9 anos, encontra o compositor e pensador Elomar, uma das grandes
vozes do cancioneiro nordestino. Dez anos mais velho, Elomar se torna
referência pessoal do pequeno Xangai, que passa a tomar lições que o
conduziriam pelo resto da vida. “Um grande mestre. Um pai. As pessoas
costumam dizer que sou o grande intérprete da obra de Elomar. Bobagem.
Dei sorte porque conheço a linguagem, somos bodes do mesmo chiqueiro,
galos do mesmo terreiro", conta o baiano.
São 40 anos de carreira?
O primeiro
disco é de 1976, mas a carreira começa quando a gente nasce. Ou, antes
ainda, para quem acredita em reencarnação. A minha mesmo começou há
milhares de anos.
Com essa jornada milenar, te assusta que muitos ainda não tenham descoberto seu trabalho?
Não
me assusta, não. Isso é fruto da desinformação. Há pessoas em Vitória
da Conquista, minha terra, que não sabem quem é Xangai. Que não conhecem
Elomar. Mas já ouviram falar em um cara que morreu em um acidente de
carro que eu não conhecia, mas que gerou uma comoção nacional (ele se
refere ao cantor Cristiano Araújo, morto em 2015). Nada contra ele nem
contra ninguém. Mas a mídia toma a frente desse processo. Eu não sei
assoviar uma música dele. Sei assoviar Caetano Veloso, João do Vale,
Lupicínio Rodrigues, Adoniran Barbosa, Luiz Gonzaga, Zé Mulato e
Cassiano, Gilberto Gil, Chico Buarque, Cartola, Dorival Caymmi,
Gordurinha, Edu Lobo e por aí vai. Na arte, eu me posiciono como um
esteta.
Mas se posiciona também politicamente?
A
minha trajetória em si já está permeada por minhas convicções. Vou te
contar uma história: há um crescente na desertificação no Brasil. Onde
havia pequi, aroeira, aí no cerrado, há soja. Onde foi parar o São
Francisco? Que teve água sugada para irrigar soja, eucalipto, milho. Aí
temos as carretas carregando esses grãos por todas as estradas do país.
Há um desperdício absurdo. Meu amigo, o que cai de grãos desse
transporte! Dava para pagar uma porrada de dívidas, para fazer uma
porrada de escolas, para ajeitar a saúde. Um desperdício de comida, de
alimento. Além de causar acidentes. Vidas são ceifadas pelas estradas,
de pessoas e de animas, que invadem a rodovia para comer os grãos
caídos. E nunca vi ninguém falar disso. Eu falo mais sobre esse tipo de
coisa. Talvez por isso me chamem de “cantor da natureza”, “cantor do
meio ambiente”. Minha política é essa.
Mas você deve ter algo a dizer sobre o cenário atual...
Eu
não confio na maioria dos políticos porque eles não honram os votos que
recebem. Não torço para lado nenhum, porque não confio em nenhum deles.
Imagino que haja alguém de boa vontade ali dentro, mas, no processo, a
maioria acaba se corrompendo. Minha única surpresa é perceber que vem
sendo conduzida uma investigação de uma forma que nunca foi feita antes.
Não lembro de nenhum mandatário que tenha sido investigado
profundamente, embora tenham pintado e bordado a vida inteira. Acho essa
iniciativa atual salutar. Agora, não é Brasília não. É o país inteiro.
Todo brasileiro precisa criar vergonha na cara, e me incluo nessa, e
cuidar de si. Dobrar o cobertor que você dormiu. Escovar o dente, tomar
banho, coloca menino na escola. Ter uma disposição para o trabalho e ser
honrado. Não é sacrifício. É dever.
Vamos falar sobre Elomar? Você o considera injustiçado? Acredita que ele deveria ser melhor reconhecido?
Há
uma injustiça, sim. Mas ele não está muito preocupado, não. Até porque o
injustiçado não é ele. É o povo brasileiro. Esses pseudointelectuais
que dizem que a obra dele é de difícil compreensão, não sabem de nada.
Não tem nada disso.
Quando você pensa na obra de Elomar, o que te vem à mente?
João
Guimarães Rosa. Um dos grandes “brasileranças” deste país. Veja bem: na
condição de historiadores, escritores, tanto Elomar como Guimarães Rosa
falam de um povo, de uma história, de uma realidade, que a maioria das
pessoas que escrevem não está interessada. Eles são voltados para um
povo desassistido. O povo do sertão. E Elomar ainda tem uma vantagem.
Além de ser tão grande quanto Guimarães, nos escritos, ele é tão grande
quanto Beethoven como músico. Agora, por que não o mostram por aí? Não
sou eu o dono das emissoras de televisão e rádios. Não sou dono de
jornal. Não sou ministro da Educação, da Cultura. Não sou dono de
teatros nem secretário de Cultura, não sou da Embratur nem de
“embraescambal” nenhum. O povo é quem perde por não ter contato com uma
obra tão bela.
Preciso te perguntar sobre “brasilerança”, que perpassa
todo seu discurso. A palavra foi nome de um disco seu, de um programa de
rádio...
“Brasilerança” é tudo que herdamos, tudo
que temos. A herança brasileira. Desde o primeiro habitante. Eu não falo
português, perceba. Eu também falo português. Mas eu falo mesmo
“brasilerança”. “Goiás”, Itatiaia”, “Jequitinhonha”, “Parnaíba”,
“Ibituruna”... Não é português. É a linguagem dos indígenas acrescida de
todos os colonizadores. Holandeses, ingleses, portugueses, africanos.
Essa é a língua que eu falo, canto e respeito. Nossa tradição. E
Brasília é a capital da “brasilerança” e não deveria se esquecer,
jamais, de honrar essa responsabilidade
Entrevista http://www.correiobraziliense.com.brCom o novo trabalho depois de 9 anos sem gravar que leva seu nome artístico Xangai" chega ao seu 17º álbum e faz uma prévia da comemoração dos 40 anos de seu primeiro disco, “Aconteciventos”.
A volta ao mercado fonográfico com a edição de CD de voz e violão que mistura no repertório músicas inéditas, como Eu (Xangai a partir de poema de Florbela Espanca) e Ino no cangaço (Xangai e Ivanildo Vila Nova), com regravações do repertório do artista, caso de Galope à beira-mar soletrado (Xangai e Ivanildo Vila Nova). Intitulado Xangai, o álbum tem produção assinada pelo violonista costa-riquenho Mario Uloa e é editado por via independente.
Um excelente disco !
Se vc gostou adquiri o original, valorize a obra do artista.
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TERRA BRASILIS
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Boa noite Daniel! Você poderia postar o CD de Xangai - Cantigueiros?
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