terça-feira, 24 de maio de 2016

PATRICIA BASTOS - ZULUSA

FOTO: DIVULGAÇÃO

Patrícia Bastos

Melhores da Música Brasileira / por Ed Félix
Estou na comunidade quilombola Curiaú. Paisagem de beleza incomparável. É dia de festa. Tia Chiquinha me explica a diferença entre batuque e marabaixo, os dois ritmos mais tradicionais do Amapá. Batuque é bandaia, pode dançar sorrindo, com alegria. Marabaixo é lamento, com o arrastar dos pés no chão lembrando os escravos acorrentados. Quem me trouxe até aqui? Uma caboca chamada Patrícia Bastos. E nem precisei de barco, navio ou avião. Nem saí de casa. Apenas ouvi ‘Zulusa’ e ela me apresentou “um outro Brasil, que o Brasil desconhece”.

Para quem está longe dessas fortes características culturais, o quinto disco da cantora macapaense pode parecer apenas mais um trabalho exótico e inusual. Engano. O grande mérito de ‘Zulusa’ - que tem em seu título a representação do português, do indígena e do africano (o povo brasileiro) - é transformar regional em universal. Você provavelmente não sabe o que é o quitum do amassador e o tracatá do dobrador, mas quando ouvi-los não terá uma reação de estranheza. São sons seus, e só não tocam na música que você ouve porque o Brasil é um grande país que está pequeno demais.

O canto de Patrícia Bastos é afinado como o de um passarinho. Só para constar: essa não é uma observação minha. Ouvi de Dante Ozzetti, conceituado compositor, produtor e incansável pesquisador da música brasileira. Dante tem um papel fundamental no disco, mas falo disso daqui a pouco. Se tem algo que impressiona tanto quanto a riqueza sonora de ‘Zulusa’ é a desenvoltura de Patrícia como intérprete. Seu modo de cantar é gracioso e de uma elegância que atrai sem qualquer esforço. Uma voz que precisa ser mais ouvida nesse país.

Além do batuque e do marabaixo, também compõem esse trabalho ritmos como o cacicó (fruto da fronteira com as Guianas), o zouk, a embolada, a cúmbia, a guitarrada (alô, Manoel Cordeiro!) e o fado. Muito trabalho foi necessário para tornar essa mistura natural e satisfatória. Atento às modulações, Du Moreira dividiu a produção com Dante Ozzetti, também responsável pela direção musical e pelos arranjos de ‘Zulusa’. A percussão do Trio Manari foi outro ponto decisivo. Algumas das peças usadas por eles: xequerê, guizo, terrabuco, matraca, curimbó, ganzá, djembê, candira, conga de madeira, bilha e bongô, além da caixa de marabaixo, claro.

O esforço dos produtores e o capricho com os instrumentos fez de ‘Zulusa’ um registro uniforme e inovador. Pouco adiantaria resgatar se não houvesse nada de novo para mostrar. Encontramos letras cantadas na linguagem de corruptela, interessantes inserções eletrônicas, texturas sonoras belíssimas e, na última faixa, apenas voz e piano, num momento sublime. Um trabalho que deve servir de referência nos próximos anos.

Com parcerias certeiras e um repertório fantástico, Patrícia Bastos lançou o melhor disco de 2013 na música brasileira.
 *Dar pausa no play acima para poder acessar o vídeo.

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