quarta-feira, 2 de março de 2016

MILTON DORNELLAS - O GARGALHAR DA INVERNADA




Milton Dornellas é um carioca que chegou em João Pessoa em 1973, aos 14 anos, e se tornou uma das figuras mais importantes da cultura paraibana - tanto que em 2009 recebeu o título de cidadão pessoense. A partir da década de 80, Milton começou a se integrar ao cenário musical da cidade. Juntou-se a Pedro OsmarPaulo RóAdeíldo VieiraTotonho e outros músicos da época e fundou o Musiclube da Paraíba, um grupo que impulsionou imensamente a produção musical paraibana. Colaborou com grupos como Jaguaribe Carne, fundou o grupo Etnia e, junto a Xisto Medeiros e Marcos Fonseca, fez parte do projeto Assaltarte, que levou a música paraibana para os bairros mais remotos da capital em apresentações relâmpago.
Este disco é inspirado na obra ‘Grande Sertão: Veredas’, do escritor mineiro, Guimarães Rosa e chega transbordando poesia. Se na linguagem, Guimarães é um mestre incontestável, na música, Milton persegue esta maestria. No novo trabalho, o compositor mostra a sua experiência de leitor voraz desta literatura e transpõe para a canção popular, transformando Guimarães em “rosas musicais”. Ele faz o que Gilberto Gil fez em 1985, com o disco Dia Dorim Noite Neon. O resultado é um trabalho impressionante em que Milton Dornellas encontra a exata medida entre o suave e o provocante. Destaque para as canções “Do descarrilho”, que em poesia retoma a essência da angústia da personagem Riobaldo,  para quem “viver é ter que abrir mão”. A canção “Escambo” é um tesouro em parceria com Mani Carneiro. Ritmo e melodia perfeitamente encaixados para uma canção de beleza triste. Um cântico ao desencontro. E por aí segue com outras surpresas e bons momentos como as canções geminadas “Meia sola” e “Passar” (com Ronaldo Monte). Para fechar o disco, temos as canções “Sinais” (com Paulo Ro) e “Ranger de redes”, que deixam o sabor dos descaminhos e veredas abertas por Rosa.
No geral os ritmos são misturas sem rótulos, passeando pelos estilos variados dos experimentos musicais de compositores como Milton Nascimento, Arnaldo Antunes, Denise Emmer, Pedro Osmar, sem dispensar as influências indígenas e regionais. Cada uma delas aparece repartida, fragmentada ou transfigurada. Como falei antes, o disco dispensa rótulos e é extenso em dimensão, como o próprio sertão.
“O sertão é o mundo”, assim como é do mundo a música de Milton Dornellas. E ele fica maior e mais belo para caber a grandeza das canções deste novo CD. O belo que dói, o belo que chora, enquanto soa ‘O gargalhar da invernada’ de Milton Dornellas.          
 
Nara Limeira

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