O cantor goiano Fernando Perillo lançou dois CDs numa só caixa — “Fora da lei”
& “Saudade da Minha Terra”. Voz afinada, letras e acompanhamento
musical de qualidade apenas confirmam o talento do artista. Pode-se
falar que há um mestre interpretando músicas antigas e novas em estado
de graça.
A bela música “Saudade da minha terra”, de tão gravada, parecia
cansativa, escaldada. Pois Fernando Perillo faz uma interpretação
original e a resgata das “mãos” de sertanejos e caipiras — dando-lhe uma
dicção moderna, sem voz arrastada e chorosa. Mas sem modernizá-la a
ponto da descaracterização.
Um dos pontos altos do segundo disco é a música “Flores pra Cirene”, de
Fernando Perillo e Nasr Chaul. Crucial é a interpretação precisa e, ao
mesmo tempo, inventiva do poema-canção. A musicalidade do texto de Chaul
facilita o trabalho musical do cantor e do violonista Luiz Chaffin.
Este, no lugar de competir com o cantor, contribui para dotar o poema de
mais musicalidade. Transcrevo a letra, para mostrar a maestria de quem a
escreveu (mas é fundamental ouvir a música, que o transforma, ou seja,
faz outra poema, agora como música, a partir do texto-base): “Mando
flores pra Cirene/Nosso amor na primavera/Mando flores pra Cirene/Da
vermelha e da amarela//Um cartão com um poema/O meu sentimento
puro/Coração valeu a pena/Esperar pelo futuro//O amor pediu
passagem/Despertou da solidão/Transformou toda miragem/Em águas de
ribeirão//Plantou flores no deserto/E florestas no sertão/Fez a chuva em
céu aberto/E colheu meu coração”.
Chaul decerto prefere ser apontado como letrista, mas também é poeta —
tanto que há o lírico, de um Manuel Bandeira e até de um Drummond de
Andrade, e a agressividade modernista de um João Cabral de Melo Neto,
sobretudo no fim do texto, no qual se diz “transformou toda miragem/em
águas de ribeirão/plantou flores no deserto/e florestas no sertão”. Lida
com contradições que se integram, de modo esplêndido, menos pelo
verismo e mais pela poesia. Com a música, com o ritmo, o poema fica
ainda mais rico. A música de Fernando Perillo, pode-se dizer, reinventa a
letra de Chaul. Como músicos, compositores e cantores sabem, não basta
uma letra bonita para fazer uma música de qualidade. A migração da
história, da letra, para a música, para a criação rítmica, é uma tarefa
árdua e, às vezes, inglória. Às vezes acerta; outras, não. No caso,
deu-se um casamento sincronizado entre letra e música.
O goiano Afonso Felix de Sousa, um dos mais importantes poetas
brasileiros, é homenageado com a gravação de “Toada goiana”. Trata-se de
outro grande momento do segundo CD do cantor Fernando Perillo.
Se fosse crítico de música, o que não pretendo ser, examinaria passo a
passo o CD, tanto a música quanto suas letras, dadas suas qualidades. O
principal “defeito” da música brasileira produzida em Goiás é sua
qualidade. Se fosse breganeja, ou seja, com um ritmo mais balançante e
simplificado, próximo do kitsch consumível nas tardes de domingo do
Faustão e outros programas, talvez fizesse mais sucesso além-fronteiras.
Qualidade sob a hegemonia da pressa é sempre mais difícil de assimilar e
apreciar.
Euler de França Belém
Se vc gostou adquiri o original, valorize a obra do artista.
Download
TERRA BRASILIS
senha/password
terrabrasilis
Nenhum comentário:
Postar um comentário