Roberto Bach, baiano de Vitória da Conquista, tem autoridade para tratar
do tema: não por ser baiano, mas porque sua alma é medievalesca, assim
ele se posiciona no mundo, assim é o seu olhar e modo de sentir. Mas
Roberto Bach não é personagem típico do período medievo, aquele que age
de acordo com os princípios cavalheirescos, não é protetor dos fracos e
oprimidos, não é o portador da justiça num mundo sem lei e ordem; em
nada lembra os representantes daquela época que se cristalizou no
Ocidente a Era de Heróis – que tem na lenda de Arthur seu ponto máximo.
Antonio Roberto Bach é um poeta, um menestrel, entretanto, um renegado,
um
goliardo.
Os
goliardos
eram monges expulsos dos mosteiros e como não sabiam lavrar a terra e
não tinham talento ou capacidade técnica para os ofícios ou a guerra,
ganhavam a vida – literalmente o pão! – ensinando música e poesia ou
divertindo o populacho com versões picarescas da grande arte exibida nos
grandes salões aristocratas ou da Igreja. Libertos das obrigações
sacras dos mosteiros ou talvez por vingança contra o regime opressor,
carregavam fortemente os temas profanos, alimentados de forte teor
blasfemo, erótico. São chamados “hippies da idade média” e a meu ver a
comparação , se não correta, é muito apropriada para compreender sua
postura frente o mundo e seu modo de ser: há, de fato, uma
correspondência entre os
goliardos e a
geração beat: talentosos, ousados, desbocados, sensíveis; com distância de séculos, ambos – hippies e goliardos -, anunciavam profeticamente novos tempos, através do rompimento traumático dos velhos costumes.
Roberto Bach é um pouco de tudo isso: talentoso músico, poeta e artista
plástico, desbocado, sensível e irascível na defesa de seus princípios,
não se enquadra em nenhum grupo. Espírito livre, sem papas na língua,
Bach é movido por uma estranha paixão que transparece e transborda. Seus
versos são dotados de uma energia dilacerante, tal qual um louco
pregando no deserto, nas mãos em vez de espadas e punhais, o violão ou
as flautas. As palavras declamadas na Abertura – “...
um dissidente insurgindo-se contra a Igreja de Roma, nos sertões do Brasil, nos sertões da alma...”
– valem para ele próprio. O solitário e dissidente menestrel empunha
seu violão e brada, solta a voz, sempre um corpo estranho por onde passa
quando eventualmente participa de algum festival, nos sertões do mundo
onde milhões de seres vagam em massa, como almas penadas. Ninguém mais
apropriado, portanto, do que um
goliardo para decifrar a
atmosfera daquele reino “que não era deste mundo!” Eis o mundo de
Canudos: nem a Utopia de Morus, nem o reino de São Sebastião, nem o
Paraíso do Novo Mundo; Canudos foi um caso único na história.
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PINTURA DE ROBERTO BACH |
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OS SERTÕES, SEGUNDO BACH
O autor tem pulso no tratamento dos temas, sem apelar para o emocional
superficial que sempre caracteriza as denuncias contras as injustiças.
Os 13 temas que tratam dos principais episódios desde as andanças
iniciais do peregrino Evangelizador, a construção da Tróia de Taipa, o
Primeiro Confronto, alguns personagens, como as mulheres Guerrilheiras, a
derrota inesperada do coronel Moreira Cesar, as táticas de combate no
Quadrado de Baionetas, as armas – Canhões contra velhos fuzis -, o mar
de sangue, o horror sem nome da Matança cruel, até o Amargo Fim.
O Conselheiro, que antes de se estabelecer na fazenda abandonada de
Canudos (o nome “canudos” derivava dos bambuzais à beira do rio
Vaza-Barris, os canudos de bambu) peregrinou por cerca de 20 anos por
toda a região, fazendo pregações e reformando igrejas por onde passava.
Canudos, chamada por Euclides de a Tróia de Taipa, reuniu no auge de sua
existência, de 25 a 30 mil habitantes, dotada de auto suficiência,
algum saneamento básico, negociava o excedente de sua produção com as
cidades das imediações – sua principal atividade era a criação de
cabras, que lhes fornecia carne, leite e couro, que tinha múltiplas
finalidades, de sapatos, a roupas e assesórios (bolsas,capas, etc).
Numa região de miséria crônica, Canudos era um oásis, que crescia ano
após ano, pois lá as pessoas trabalhavam para si mesmas, tinham moradia e
até escola para os filhos. Com isso, esvaziavam pequenas vilas e
fazendas da região, trazendo sérios problemas de mão de obra para os
fazendeiros. (Tivesse Canudos sido deixada em paz, no que se poderia ter
se tornado? Uma próspera cidade, exemplar numa região miserável, rude e
áspera? Ou teria sucumbido uma ou duas gerações depois, engolida pelo
coronelismo regional? São perguntas que jamais saberemos a resposta,
seus apologistas e detratores se entrincheiram, ainda hoje, de cada lado
de um
campo de justas imaginário).
Roberto Bach se dispõe a narrar poética e de maneira concisa, essa
irreparável tragédia nacional que ficou para a história como exemplo de
resistência, bravura, loucura,covardia, mentira, intolerância: a
expressão “Canudos não se rendeu” continuará para sempre ecoando, da
mesma forma que no extremo sul do país, as palavras do índio Sepé: “A
nossa terra tem dono!”, proferida no momento de sua execução. Expressões
singulares, proferidas no calor da luta, carregadas de imenso
simbolismo, que o tempo tratou de jamais fazer esquecidas.
O artista/cantor/narrador/poeta/pintor/músico em linguagem cortante,
dilacerante e contundente, discursa com a “alma”, tendo ao fundo as
vozes de lamento, dor e horror, tão vivas, tão presentes. Acompanham sua
voz narrativa o som de flautas, fagote, viola, marimbau e um violão
tocado com tamanha sensibilidade que se assemelha as batidas do coração
humano. Para expressar poeticamente os fatos acontecidos naqueles
sertões ignotos, para descrever a existência daqueles distantes e ainda
tão vivos acontecimentos; para nos transmitir a sensação vívida do que
significava aquele
reino que não era deste mundo, ninguém melhor do que o
goliardo
Bach, herdeiro das tradições profanas dos renegados monges/poetas
medievais. Sua voz de trovador nos conta e nos guia, colorida pelos
instrumentos característicos que evocam outros tempos idos da saga
humana, nos reconduzem por raros momentos àquelas cenas, onde se
misturam sonho, loucura, horror, desejo de fraternidade. Por um momento,
somos capazes de vislumbrar as vozes do povo desaparecido no árido e
sangrento palco, onde se travou um combate de morte em nome de um
“ideal”, mas não havia ideologias, pátria, mártires, honra, etc., e
outros conceitos que venhamos convencionar segundo os nossos modernos
princípios.
O mundo canudense, entretanto, não era medieval, não era uma célula
preservada do universo medievo que sobreviveu no tempo; era uma
sociedade que propunha uma vida piedosa segundo princípios religiosos,
mas não era um movimento religioso. Canudos, a Tróia de Taipa, foi um
episódio único, ainda à espera de ser decifrada, de uma compreensão mais
abrangente que leve em conta as motivações que levaram milhares de
pessoas desassistidas e vitimas por todo tipo de opressão, a lutar de
maneira tão ardente, até o último homem. Somente essa cega e estranha
paixão os levou a não se renderem... à guisa de conclusão, como um
retrato inexplicável, que no entanto fala por si, o então correspondente
do jornal O Estado de São Paulo, Euclides da Cunha, atesta em palavras
reproduzidas por Bach no encarte do CD, “
Canudos não se rendeu. No
ultimo dia de combate, eram quatro apenas: dois homens, um velho e uma
criança, na frente dos quais rugiam furiosamente 5.000 valentes
soldados”.
O que se seguiu, o destino dos não combatentes, das mulheres, das
crianças e dos homens encontrados com vida, não existe descrição
possível para qualificar o horror, os abusos, o sadismo, a sanguinária
vingança perpetrada pelas
forças legalistas.
Uma estranha e inominável paixão movia os canudenses: o direito de
(re)construir suas vidas de homens desprovidos de dignidade.
Provavelmente não havia uma
consciência politica clara do estavam
fazendo ou mesmo do que queriam: mas aquela era a vida, era sua
escolha, era sua fé e razão de ser e viver. Haviam conseguido, e não
em nome de um
projeto, palavra gasta e vulgarizada, enganosa e enganadora. Provavelmente, se houvesse
consciência política ou outras ambições em pauta, teriam
negociado a rendição
ao pressentirem a derrota: mas aqueles homens e mulheres simples não
tinham escolha, não tinham o que negociar, pois haviam se refugiado no
ponto extremo de sua condição de homens e mulheres: haviam alcançado,
metaforicamente, o Paraíso, e dali não retornariam ao inferno cotidiano
de vida miserável, mesmo se o desejassem ou pudessem: haviam se tornado à
duras penas homens e mulheres de verdade, ultrapassaram os mundos dos
sonhos impossíveis – eram a própria encarnação do sonho impossível e
dali não retornariam, lutariam até o esgotamento completo, tal como se
deu.
Compreender o que foi Canudos e sua luta, pode nos ajudar a compreender a
nós próprios, o que somos e o que queremos, pode nos levar a refletir
sobre líderes salvadores. O trabalho de Roberto Bach, sua fidelidade aos
fatos e a qualidade musical, merece ser conhecido: compreender o que
foi Canudos, é compreender a nós mesmos, nossas singularidades enquanto
nação mestiça...
*texto extraido http://www.sertaopaulistano.com.br
Este disco já foi postado no blog mas com a primeira versão com outra capa e arranjos.
Esta versão esta mais sofisticada com arranjos de alguns instrumentos mas sem perder a magia do disco, é uma relíquia porque não se encontra em nenhum blog ou site para baixar apenas aqui no Terra Brasilis.
Qualidade excelente pois fiz o upload em 320kbps.
Veja o que Roberto Bach escreveu :
Demorei cinco anos para fazer este disco. Quando interminado ele se
chamou Os sertões, que é o título do livro no qual ele foi
inspirado, terminado, se chama Bahia Banhada em Sangue..Foi um sonho
realizado fazer um disco de guerra com instrumentos simples mas também
com uma guitarra a lá Pink Floyd (participação especial Pepeu Gomes) levando o trabalho para uma ideia do
Rock Progressivo. É uma pena com tudo o que realizei na música ser um
artista totalmente desconhecido e o mais pobre entre todos.
Se vc gostou adquira o original valorize a obra do artista.
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