O bom artista é aquele que sintetiza
a sua obra em cima de sua outra obra, buscando o seu melhor e interiorizando o
mecanismo de conhecimento pleno de sua arte por meio de mensagens
criptografadas em forma de música, dança, letras e artes cênicas. Muitas vezes
ocorre o contrário: o artista, seja ele em qualquer esfera, se baseia em
trabalhos anteriores para que seu reconhecimento seja marcado por sua marca
registrada, não fugindo do lugar comum e com ambientações dentro de um mesmo segmento,
de uma mesma moldagem, não se utilizando de outras roupagens, não usufruindo
novas ferramentas ou novas inspirações. Não é o caso do cantor e compositor
brasiliense Alberto Salgado, que vêm de uma
inquietação transparente e inerente perante o seu trabalho musical. Se olharmos
para trás, veremos que Além do Quintal
(2014) é um disco brilhante, com ritmos que agradam a todos e com a
perfeição em um trabalho que o destacou no cenário da música brasileira por ser
um disco autêntico, verdadeiro e ser considerado por muitos como uma
obra-prima. Quatro anos distancia o primeiro CD de seu novo lançamento, Cabaça D’Água (2017), que já se tornou
clássico antes mesmo de vir a público. É sempre uma ansiedade esperar pelo novo
trabalho de Alberto Salgado, que é um desses cantores que nos pegam pela forma
como compõe e pela voz que enaltece seu talento. Diferentemente de Além do Quintal, esse novo CD traz toda a
movimentação sombria que o Nordeste assola, a tragédia de Mariana (Minas
Gerais), as belezas de um futuro, os amores possíveis e a seca que matam os
peixes. É um disco importantíssimo para entender o Brasil, pois Cabaça D’Água traz uma antropologia
filosófica nas entrelinhas e que fica fácil a sua associação com a politicagem
herdada em alguns âmbitos nacionais. A
esfera de escopo musical para a música de Alberto ressurge em um momento
importante dentro daquilo que podemos catalisar com o inesperado, com o
surreal, com a fantasia imaginada e idealizada por nossas mentes para que tudo
não passe de um simples sonho. A realidade está embutida em versos como a vaidade do homem consome sede de viver,
tanto pinga que some água de beber (Cabaça
D’Água) e em ói que a tua coragem não
me põe medo, ói que a minha vontade é teu desejo, ói que ce dormiu tarde e eu
acordei cedo (Ói). Com produção
do próprio Alberto Salgado e com a arte gráfica de Carol Senna, o disco ganha
ares de uma estrutura privilegiada referente à mensagem que se deseja passar:
antropologicamente, a cabaça é utilizada para servir alimentação para alguns
povos e para muitos é utilizada como recipiente de água. Também podemos
associar a cabaça como utensílio de várias gerações desde Cristovão Colombo, no
ano de 1492, para guardar ouros e outras relíquias importantes para que não
fossem furtadas. Levada da África para a Ásia, Europa e Américas como
formalização da migração humana, a cabaça foi um importante instrumento como
fonte de alimentação por meio dos oceanos para esses povos. Aqui encontramos uma contradição que no disco
de Alberto Salgado ela é bem explorada em ambos os aspectos: na música que leva
título do álbum, Cabaça D’Água, o
cantor se preocupa com a falta de água no planeta e nos lança a questão sobre a
sede por água de beber. Já na música Da
jangada em pleno mar, Alberto canta sobre as injustiças sociais que assolam
nossas vidas perante as utopias existenciais. Vale ressaltar que esse
decantamento é importantíssimo para a competência de todo o trabalho de Alberto,
pois ele soube ministrar muito bem os lados representativos pela cabaça d’água
refletida sociologicamente entre nós. As
participações especiais são para lá de especiais: Chico
César dá o ar poético de sua graça em Ave de Mim, Silvério Pessoa nos
surpreende pela força vocal no xote Pele
de baixo da unha, Rafael Miranda nos encanta
na derradeira Quem foi? e a
sensacional cantora Carol Senna (grande
revelação) dá o tom de lirismo em Força
da fé. Um CD que precisa ser ouvido com o mesmo encantamento provocado pelo
sentimentalismo de Alberto Salgado, um cantor que se torna a cada dia um
expoente da nova safra da música nacional, com suas competências e sua
originalidade impecável e que nos favorece o melhor de sua música.
http://maisculturabrasileira.blogspot.com.br
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TERRA BRASILIS
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